segunda-feira, 22 de junho de 2009

Sem rótulos por Alexandra Santos



Tentamos explicar muitos dos comportamentos dos nossos cães recorrendo a rótulos – roeu o sofá porque é vingativo. . . escondeu-se quando cheguei a casa porque sabe que fez asneira. . . rosnou-me quando me aproximei da comida porque é dominante. . .

Não sabendo analisar correctamente o que motiva os nossos cães a fazerem o que fazem, é normal encontrarmos algum conforto nos rótulos, pois sabemos o que significam e as nossas perguntas não ficam sem resposta. Sabemos o significado de ‘vingativo’, de ‘fazer asneira’, de ‘dominância’ (pensamos nós). Mas será que os rótulos têm alguma utilidade na modificação de comportamentos problemáticos? Se dissermos que o nosso cão rosna quando nos aproximamos da comida porque é dominante, qual é a solução do problema? Torná-lo menos dominante? E ao tornarmos um cão menos dominante não estaremos nós a ‘mexer’ numa série de comportamentos que não são problemáticos, deixando o comportamento problemático por resolver? Por mais confortantes que os rótulos sejam, não têm utilidade na modificação de comportamentos problemáticos.

Para além de pouco úteis, utilizamos alguns rótulos sem sabermos a sua definição. A dominância é um exemplo gritante. Se eu perguntar a 10 pessoas qual a definição de dominância, provavelmente obterei 10 respostas diferentes. Isto não me espanta, pois ainda não existe uma definição universal de dominância. Eis dois exemplos: dominância é agressividade (Wilson 1975); dominância é ausência de agressividade (Drews, 1993; Siiter, 1999). Pegando nestas definições contraditórias de dominância, posso dizer que o cão que rosna quando se aproximam da comida é dominante, mas só se a definição de dominância que tenho em mente for “dominância é agressividade”. Se a definição que tiver em mente for “dominância é ausência de agressividade”, não posso de maneira nenhuma afirmar que esse mesmo cão é dominante. Então, dependendo da definição de dominância com que estamos a trabalhar, podemos rotular o cão de ‘dominante’ ou ‘não dominante’ independentemente do comportamento problemático ser o mesmo.

Existe uma abordagem muito mais útil na modificação de comportamentos problemáticos, pois vai ao cerne do problema. Esta abordagem chama-se análise do comportamento.

Todos os comportamentos que o nosso cão emite têm um estímulo antecedente e uma consequência imediata.

Pessoa aproxima-se (antecedente) ---» cão rosna (comportamento) ---» pessoa afasta-se (consequência).

Um estímulo antecedente serve, simplesmente, para provocar um comportamento – aproximação à comida provoca o rosnar. . . tocar à campainha provoca o ladrar. . . e por aí fora. Mas o comportamento em si é sempre, mas sempre afectado pelo seu historial de consequências. Se a consequência de rosnar for o afastamento da pessoa, rosnar está a ser reforçado e será repetido de futuro, pois funciona na perfeição para o cão. Se a consequência de rosnar for a permanência da pessoa no sítio onde está, rosnar não está a ser reforçado, pois nada de diferente acontece quando o cão rosna. Na prática, a escolha de permanecermos imóveis quando o cão rosna pode ser imprudente, pois o cão pode investir. Para isso existem técnicas de modificação comportamental tais como o contra-condicionamento.

Na análise do comportamento o foco reside em manipular os estímulos antecedentes e as consequências, de forma a aceder ao comportamento problemático e modificá-lo. Esta manipulação só é possível após a identificação exacta do ‘pacote’ antecedente ---» comportamento ---» consequência. Como ‘vingativo’, ‘sabe que fez asneira’, ‘dominante’ e outros rótulos não têm lugar na identificação dos estímulos antecedentes, comportamento, e consequências imediatas, considero-os
inúteis, e potenciais indutores de erros de treino.

Alexandra Santos
Dip. ACP, Dip. ADT, Professional Member AABP
Copyright (c) 2009

1 comentário:

Doggy Palooza disse...

Alexandra, obrigada por este excelente texto. Tenho aprendido imenso consigo.